segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Diário de Um Estudante de Medicina #2


Barretos-SP, 10/02/2015

Eu realmente não esperava escrever hoje. Não que este dia fosse de grandes - e marcantes - aprendizados como ontem, mas ele me proporcionou alguns bons sentimentos. 
Hoje fiz minha primeira anamnese. Nos agrupamos em um grupo de cinco pessoas e fomos "consultar" um senhor ator (ou seria um ator senhor?). De início achei o clima meio pesado. Perguntas muito diretas, algo frio, como se parecesse um interrogatório criminal. Tentei dar um ar mais jocoso ao saber que ele era corinthiano. A situação foi, pouco a pouco, se normalizando, como deveria ser em um consultório médico. Chegou um momento em que o senhor começou a mesclar informações reais com informações ficcionais. Foi confuso. Não sabia quais dados deveria dar crédito. Enquanto isso, meu relatório mais parecia um lixão: muita coisa útil organizada de maneira desorganizada (se é que você me entende...). A medida que o clima se "tropicalizava", a conversa começou a fluir melhor. Eu, particularmente, apreciei esse momento de abertura de uma relação médico-paciente mais efetiva. Entretanto, meus companheiros não compartilhavam da mesma visão. A todo instante tentavam puxar o senhor ator de volta aos eixos da anamnese. (No final do programa eles me explicaram que não era da função do médico ouvir casos e casos e histórias e histórias, muitas vezes desconexas com a "história da moléstia atual"). Penso eu que deveria ter escolhido a profissão de psicólogo. Eu, particularmente, aprecio bastante conversar, ouvir e sentir (demonstrando) os sentimentos do meu interlocutor. Os dados informados me permitiram criar algumas hipóteses, que ainda discutiremos em grupo para chegarmos a uma conclusão mais unânime. Ao final da conversa, não dei atenção aos meus colegas e tentei abrir uma conversa mais informal com o senhor, afinal, o tempo já havia se esgotado mesmo... Longe de mim querer me vangloriar por isso, mas senti que fui a pessoa que mais passou confiança para o paciente, a ponto de ele se abrir mais facilmente. Prova disso foi que, quando os atores iam indo embora da faculdade, o único a quem o senhor se despediu pelo "nome" (Pequi) - com um sincero e espontâneo sorriso no rosto - fui eu. Apreciei bastante essa experiência. E espero me encontrar mais vezes com esse que ainda não sei se é um senhor ator ou um ator senhor. 
Mais tarde, enquanto estávamos em um grupo conversando, uma professora se aproximou e perguntou sobre possíveis dificuldades no curso. Ao que uma colega referiu já ter chorado, a mestra nos confidenciou um "grande segredo": "Deu vontade de chorar? Chore!" Aquilo mexeu comigo. Quando criança eu sempre chorei bastante, mas com o início da "aborrescência", passei a conseguir controlar melhor minhas emoções. Muitas vezes sinto vontade de chorar para me esvaziar um pouco, contudo, não cai uma lágrima sequer de meus olhos. A solução tem sido escrever para desabafar. Quantas vezes não choramos para manter a pose de que somos "machos" (no caso dos homens) e criticamos aquelas pessoas que constantemente choram. Isso é algo que realmente deve ser mudado em nossa sociedade. "O choro é livre" deve constituir uma essência humana, e não apenas uma forma de gozação no futebol. 
Hoje também reforcei minha teoria de que o pessoal da FACISB - alunos e funcionários - são, em sua maioria, muito simpáticos, prestativos e solidários. E foi pensando nisso que deixei a faculdade. Pensei no quanto Deus tem sido maravilhoso comigo, me6 enviando para um lugar tão receptivo, tão calo(u)roso. E sorri. Pela primeira vez desde que passei sorri espontaneamente por estar em uma Faculdade de Medicina. A ficha, finalmente, pareceu ter começado a cair. Sorri. Sorri de novo. Sorri mais uma vez. Um êxtase tão bom percorreu meu corpo, que nem me dei conta de que eu gelado estava pelo vento frio que me acobertava...
Fui para o ponto de ônibus feliz e comecei a escrever esse Diário. Pensava eu que nada mais haveria para acrescentar. Quando desci no meu ponto, entretanto, vi outra daquelas cenas que deveriam nos motivar a parar de reclamar. Já era quase 22h quando vi alguns garis buscando dejetos para jogarem no caminhão de lixo. Eles pareciam exaustos. Estavam sujos e mal cheirosos. Um trabalho tão digno, mas que nunca damos os devidos respeito e valor. Apesar das condições adversas, me aproximei de um deles e desejei boa noite. Ele, ainda acuado, me respondeu timidamente. 
Subi as escadas mais feliz.
Pingos de chuva caem...

~ALU

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