Trecho do livro “Arquipélago Gulag” - de Alexander
Solzhenitsyn - citado no livro “Ainda que caiam os céus” – de Mikhail P.
Kulakov e Maylan Schurch - no qual o filósofo e intelectual russo explica os
grandes expurgos de Stalin na antiga União Soviética:
“A composição das multidões presas durante
aquela poderosa onda e jogadas semimortas no arquipélago era de uma diversidade
tão grande que quem quer que tente deduzir sua lógica cientificamente irá
exercitar longamente o cérebro até encontrar uma resposta. (Para os
contemporâneos dos expurgos essa lógica era ainda mais incompreensível.)
A verdadeira regra subjacente às prisões
daqueles anos [1937 e 1938] era a atribuição de quotas, as normas estabelecidas
e as localidades planejadas. As cidades, distritos e unidades militares
recebiam quotas específicas de presos a serem enviados num determinado tempo
preestabelecido. A partir daí, tudo dependia da criatividade do pessoal
encarregado pelas operações de segurança.
Passo a contar um episódio daqueles anos, da
maneira como de fato ocorreu. Uma conferência distrital do partido estava
acontecendo na província de Moscou. Ela estava sendo presidida por um novo
secretário do Comissariado Distrital do Partido, que viera substituir o
anterior, que havia sido preso. Para concluir a conferência, um tributo ao
camarada Stalin foi iniciado. Obviamente, todos se levantaram (assim como todos
haviam se inclinado até os pés ao longo da conferência ante a simples menção de
seu nome). O pequeno auditório ecoou com ‘sonoros aplausos, aumentando até o
louvor’. Durante três, quatro, cinco minutos os ‘sonoros aplausos, aumentando
até o louvor’ continuaram. Mas as palmas começaram a ficar fracas e os braços
levantados já estavam doendo. Os mais velhos estavam ofegantes de cansaço. Já
estava se tornando tolo além da conta, até para aqueles que nutriam verdadeira
adoração por Stalin. Contudo, quem ousaria ser o primeiro a parar? O secretário
do Comissariado Distrital do Partido poderia tê-lo feito. Ele estava em pé no
palco, e havia sido a pessoa que iniciara a homenagem. Mas ele era
recém-chegado. Estava ocupando o lugar de um homem que havia sido preso. Ele
sentia medo! Afinal de contas, os homens da NKVD [precursora da KGB] estavam em
pé no auditório aplaudindo e observando para ver quem pararia primeiro! E
naquele lugar pequeno, obscuro e desconhecido do Líder, os aplausos continuaram
– seis, sete, oito minutos! Eles já estavam esgotados! Já estavam fadados ao
fracasso! Eles não poderiam parar agora até que tivessem um colapso nervoso, um
ataque do coração! Na parte de trás do auditório, era possível trapacear um
pouco, bater palmas com menor frequência, com menos vigor, com menos avidez –
mas lá frente, com o presidium, onde todos podiam ver? O diretor da fábrica
local de papel, um homem independente, de opiniões fortes, permanecia com o
presidium. Ele estava consciente da insanidade da situação, mas continuava
aplaudindo! Nove minutos! Dez! Angustiado, aquele diretor assistia ao
secretário do Comissariado Distrital do Partido, mas este não ousava parar. Que
loucura! Até a última gota! Com entusiasmo forçado estampado na face, olhando
uns para os outros com uma tênue esperança, os líderes distritais continuavam
aplaudindo até caírem onde estavam, até serem levados para fora do auditório
carregados em macas! Mesmo assim, aqueles que permaneciam não hesitavam...
Então, depois de onze minutos, o diretor da fábrica de papel assumiu uma
expressão de homem de negócios e se assentou. E depois, oh, um milagre
aconteceu! Para onde foi todo aquele entusiasmo universal, desinibido,
indescritível? Um por um, todos os outros foram parando de aplaudir e se
assentaram. Eles haviam sido salvos! O esquilo fora inteligente o bastante para
saltar fora do círculo rolante.
Foi assim, contudo, que eles descobriram
quem eram as pessoas independentes. E foi assim que deram um jeito de
eliminá-las. Naquela mesma noite, o diretor da fábrica foi preso. Facilmente,
deram a ele uma sentença de dez anos sob o pretexto de algo completamente
diferente. Mas depois de ter assinado o Formulário 206, o documento final do
interrogatório, seu interrogador o fez lembrar:
– Nunca seja o primeiro a parar de aplaudir!
(E o que devemos fazer? Como é que paramos
então?)
É dessa forma que funciona a seleção natural
de Darwin. E é dessa forma que reduzimos as pessoas à estupidez.”
~ALU
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