quinta-feira, 17 de julho de 2014

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Trecho do livro “Arquipélago Gulag” - de Alexander Solzhenitsyn - citado no livro “Ainda que caiam os céus” – de Mikhail P. Kulakov e Maylan Schurch - no qual o filósofo e intelectual russo explica os grandes expurgos de Stalin na antiga União Soviética:

   “A composição das multidões presas durante aquela poderosa onda e jogadas semimortas no arquipélago era de uma diversidade tão grande que quem quer que tente deduzir sua lógica cientificamente irá exercitar longamente o cérebro até encontrar uma resposta. (Para os contemporâneos dos expurgos essa lógica era ainda mais incompreensível.)
   A verdadeira regra subjacente às prisões daqueles anos [1937 e 1938] era a atribuição de quotas, as normas estabelecidas e as localidades planejadas. As cidades, distritos e unidades militares recebiam quotas específicas de presos a serem enviados num determinado tempo preestabelecido. A partir daí, tudo dependia da criatividade do pessoal encarregado pelas operações de segurança.
   Passo a contar um episódio daqueles anos, da maneira como de fato ocorreu. Uma conferência distrital do partido estava acontecendo na província de Moscou. Ela estava sendo presidida por um novo secretário do Comissariado Distrital do Partido, que viera substituir o anterior, que havia sido preso. Para concluir a conferência, um tributo ao camarada Stalin foi iniciado. Obviamente, todos se levantaram (assim como todos haviam se inclinado até os pés ao longo da conferência ante a simples menção de seu nome). O pequeno auditório ecoou com ‘sonoros aplausos, aumentando até o louvor’. Durante três, quatro, cinco minutos os ‘sonoros aplausos, aumentando até o louvor’ continuaram. Mas as palmas começaram a ficar fracas e os braços levantados já estavam doendo. Os mais velhos estavam ofegantes de cansaço. Já estava se tornando tolo além da conta, até para aqueles que nutriam verdadeira adoração por Stalin. Contudo, quem ousaria ser o primeiro a parar? O secretário do Comissariado Distrital do Partido poderia tê-lo feito. Ele estava em pé no palco, e havia sido a pessoa que iniciara a homenagem. Mas ele era recém-chegado. Estava ocupando o lugar de um homem que havia sido preso. Ele sentia medo! Afinal de contas, os homens da NKVD [precursora da KGB] estavam em pé no auditório aplaudindo e observando para ver quem pararia primeiro! E naquele lugar pequeno, obscuro e desconhecido do Líder, os aplausos continuaram – seis, sete, oito minutos! Eles já estavam esgotados! Já estavam fadados ao fracasso! Eles não poderiam parar agora até que tivessem um colapso nervoso, um ataque do coração! Na parte de trás do auditório, era possível trapacear um pouco, bater palmas com menor frequência, com menos vigor, com menos avidez – mas lá frente, com o presidium, onde todos podiam ver? O diretor da fábrica local de papel, um homem independente, de opiniões fortes, permanecia com o presidium. Ele estava consciente da insanidade da situação, mas continuava aplaudindo! Nove minutos! Dez! Angustiado, aquele diretor assistia ao secretário do Comissariado Distrital do Partido, mas este não ousava parar. Que loucura! Até a última gota! Com entusiasmo forçado estampado na face, olhando uns para os outros com uma tênue esperança, os líderes distritais continuavam aplaudindo até caírem onde estavam, até serem levados para fora do auditório carregados em macas! Mesmo assim, aqueles que permaneciam não hesitavam... Então, depois de onze minutos, o diretor da fábrica de papel assumiu uma expressão de homem de negócios e se assentou. E depois, oh, um milagre aconteceu! Para onde foi todo aquele entusiasmo universal, desinibido, indescritível? Um por um, todos os outros foram parando de aplaudir e se assentaram. Eles haviam sido salvos! O esquilo fora inteligente o bastante para saltar fora do círculo rolante.
   Foi assim, contudo, que eles descobriram quem eram as pessoas independentes. E foi assim que deram um jeito de eliminá-las. Naquela mesma noite, o diretor da fábrica foi preso. Facilmente, deram a ele uma sentença de dez anos sob o pretexto de algo completamente diferente. Mas depois de ter assinado o Formulário 206, o documento final do interrogatório, seu interrogador o fez lembrar:
   – Nunca seja o primeiro a parar de aplaudir!
   (E o que devemos fazer? Como é que paramos então?)
   É dessa forma que funciona a seleção natural de Darwin. E é dessa forma que reduzimos as pessoas à estupidez.”

~ALU

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